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Jornalista é ser ou não ser - Luís Carlos Castro Palma, o Batata (16/09/1940 – 28/12/2009)

Sobre o nascimento do Batata



Nove dias após o nascimento do Batata(25/09/1940), o então estudante da Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, José de Paula Castro, o tio materno mais velho do Batata, escreveria uma carta à sua mãe cumprimentando-a pelo nascimento do desconhecido sobrinho, o qual não sabia nem o nome.
Dos muitos documentos que o Batata guardava, esse tem um caráter muito valioso. Êi-lo, na íntegra.



Rio 25/9/940

Querida mana.
Peço a Deus em primeiro lugar que essa vos encontre gozando saúde e felicidade em compania do Tenente.
Como vão todos de casa? Fortes, não é? E você como está se sentindo agora? Espero em Deus que todos estejam fortes e felizes.
E o sobrinho? Bonitão mesmo, não é? Quero fotografias logo e quero saber o nome dele. Retribui-lhe o abraço e o abençoe-o.
Filhinha, o principal motivo desta é dar-lhe os parabéns e também ao Tenente pelo grande acontecimento em seu lar. Que reforce o amor mútuo e o respeito que tão grandemente bem tem reinado entre vocês. É um prêmio a sua bondade, benza-a Deus por ela e pelo seu nascimento. Que sejam felizes eternamente é o que de coração deseja o sempre afetuoso irmão e cunhado Quito.
N.B. Recomendações a todos e um aperto de mão ao “vovô” Juca e “vovó” Meia.
Aguardo resposta dando suas notícias...

A Carta da Filha



Texto do Luis Carlos de Castro Palma, o Batata, datado de 25 de maio de 2004.

A Carta da filha

Ao chegar do trabalho, antes de entrar na casa, Jordão costuma cuidar das ferramentas usadas naquele dia. Algo diferente pairava. Geni, esposa, a cada minuto, o observava do vitrô na cozinha. Entrando, reparou em envelope sobre a mesa. Fez que não viu. Foi ao fogão de lenha, pegou o bule de café e uma canequinha na prateleira. A mulher, colherando na panela de feijão, disse : " O patrão deixou esta carta para você. Trouxe da cidade ". Estalando de curiosidade, porém mostrando indiferença, ele olhou , repetidamente, os dois lados do envelope. "É da nossa filha Julieta. Vamos esperar a Julinha chegar do serviço. Ela acerta bem as leitura".
Julia, que trabalha na sede, chegou mais tarde. A carta, empaturrada com votos de saudade, trazia boas notícias da família. O genro, Alberto, migrou para Campinas, acompanhado pela esposa, um filho e o talento de bom pedreiro. Hoje, emprega seis trabalhadores, mora em casa própria e conduz um automóvel muito bem conservado. Agora, um filho e duas filhas .
"... Papai , mamãe , Julia está na hora de conhecerem as netas e sobrinhas . Judite já tem dez anos e Jaci, oito . Alberto arrumou jeito de "tirar" uma semana de folga e vai nos levar aí no começo de julho, primeiro sábado, que é férias. Não se preocupem com as acomodações. Só peço que o senhor, papai, por pedido do Alberto, prepare uma caçada de paca. Falo tanto, ele quer comer uma assada naquele forno redondo do quintal. Levarei surpresas ..."
Pacas, o Sapucaí tem. Casa boazinha e cuidada não teria problemas ao receber. Era só pedir, para a Ondina uma cama de casal que ela mantinha desmontada. Difícil seria cabrestear a fúria que deu na Geni para fazer doces, lavar e encerar pisos, clarear (teve de comprar cinco quadradinhos de Anil) roupas, arear os utensílios com faina de sacristão e engordar frangos fechados com o trato no dobro. Quinze dias, fizeram a mulher trabalhar quarenta.
Agosto é mês de poeira, porem a toda frente da colônia está varrida e sem poeira grossa. Sejam bem vindos, diziam. Chegada travada por lágrimas de felicidades e risadas nervosas. Meia hora depois, a coisa virou geral. Os homens respeitaram o aperto e as mãos calosas do Alberto. As mulheres ficaram gêmeas da natural simplicidade trazida pela Julieta. Festa.
Surpresas? Muitas. A maior: Julieta disse que vinha convidar Julia para estudar e ser doutoura. Sabatinaram os prós e contras. Acertaram. Geni, emagreceu e engordou naquela semana. Jordão agradeceu à Deus pelo genro. Julia, nem sabia onde estava. Juraram dois retornos ao ano e partiram. Paca? Ninguém lembrou da paca.

Divagação Caipira


Datado de 2 de Agosto de 2004 e com o título: Divagação Caipira, este texto do Batata mais uma vez nos remete à sua infância. Convicto que seu mundo era conhecido e sabido de todos os viventes terrenos, ele passa por cima dos personagens sem dizer quem são, onde estão, etc, crente que todo leitor saberia de quem ele está falando. É que todos os textos dele foram escritos depois de uma carreta de cerveja, no varão de madrugadas solitárias e silenciosas. Todos os personagens aqui abordados eram pessoas que trabalhavam na fazenda Bela Vista – Altinópolis, de propriedade dos nossos avós, isso lá pelos anos 1950 e 1960.
Ah, Batata, por que você foi inventar de fazer uma cirurgia na quadra dos 69 anos sem a mínima necessidade? Agora me toca a publicar os seus sonhos. Mas pensando bem, diante do irreversível, até que é bom. Uma ótima leitura.

Divagação Caipira
By Batata

Aquele galo. Cor da prata no corpo e o colete vermelho das asas. Esporas no bom ponto para as batalhas, crista lembrando pitangas maduras, porte de senador da república encasacado. Ele, na madrugada, clarinava acordando os outros galos. Ainda moço já era chamado de "Roscófi " (corruptela da famosa marca de relógios). Clarinou para as cinco.
Dadinho, acordado, só esperava aquela ordem para se levantar. Separou as cobertas e colocou os pés no chão. Olhou no desvão das telhas com a parede, ainda estava escuro. A sua esposa, dormindo, tossiu aquela tossezinha que fala que a cama estava boa. Usou o penicão do casal, vestiu–se e foi lavar o rosto. Antes, colocou quatro cabeças de palha de milho nas brasas do fogão de lenha. Brasas com jeito de quem quer continuar dormindo com um olho acordado. Saninha chegou para fazer o café. Um dos meninos tossiu no quarto. Momento íntimo. Conversaram coisas que só casais de bons caipiras conversam enquanto o café da madrugada ainda é água por ferver acima daquele fogo que, ressuscitado dura até a próxima madrugada.
O sino da sede bateu um toque. O patrão, no alpendre da frente da sede, esperou a reunião completa do pessoal que chegava com a enxada nos ombros Deu bom-dia. "Vamos voltar para o talhão do *Pede Conta”. Segunda era começo da tarefa – colocou as mãos na guarda do gradil do alpendre - Onti, na terça, vocês só fizeram barulho para espantar cobras. Hoje é quarta, meio da semana, preciso do trabalho do colono que vai ficar na fazenda. Depois passo lá".
Nove horas, dois toques, hora do almoço. Alegria no eito. Familiares, que trouxeram o caldeirãozinho com a comida fazem a hora alegre, Crianças correm, cachorrões se ajeitam perto do trabalhador, cachorrinhos simulam lutas. Homens e mulheres conversam como se estivessem na chegada de uma longa viagem sem ter saído do lugar. Falas para se descansar . Suor honesto e alegria. Caricia divina.
"Eito duro. Isso aqui devia de chamar " pede conta " , comenta Dito Reis enquanto descasca enorme banana nanica da sobremesa. Camaradagem. Volta ao trabalho ao terceiro toque do sino. Tobias, o fiscal, repassando, reparou que Dadinho ainda estava sentado com o queixo apoiado na mão. Viu que ele havia encarreirado oitos enormes cascas de banana nanica . Ouviu do incrível hominho: "Cumpadri eu só queria saber quantso palmo de tripa que o cumpadi Dito Reis encheu só daquelas banana que ele comeu aqui pertim de mim".

* Pede Conta era o apelido de um talhão de café que ficava numa ecosta e que tinha muita pedra e muita cobra. Ninguém gostava de trabalhar num lugar daqueles, daí o nome Pede Conta.